O suicídio da social-democracia — onde está a Internacional Socialista?

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 23/12/2022)

(Texto brilhante do Coronel Matos Gomes. Um grande bem-haja a uma das poucas vozes lúcidas que consegue desmontar a narrativa que nestes tempos negros a comunicação social nos quer impor, e que quase todo o espectro político subscreve e para a qual nos convoca.

Estátua de Sal, 23/12/2022


As burguesias: industriais, proprietários de bens de raiz, de rendimentos palpáveis, comerciantes regionais, altos funcionários foram o motor das sociedades capitalistas e demoliberais que tomaram o poder na Europa após as revoluções dos séculos XVIII em França, na Inglaterra e na Alemanha e no século XX na Rússia. Foram as classes médias europeias (as burguesias) que decidiram o colonialismo para se apropriarem das matérias-primas de África e que estiveram na origem de duas guerras mundiais.

O colonialismo e a Segunda Guerra estão na raiz da atual ordem no mundo. O colonialismo resultou das necessidades de matérias primas pela indústria da revolução industrial e a Segunda Guerra resultou das respostas das burguesias nacionais aos movimentos operários (os camponeses transformados em operários — proletários) que geraram o complexo fenómeno que por facilidade designamos comunismo. O nazismo foi uma resposta ao comunismo, a outra foi a social-democracia — os católicos referem a democracia cristã e a encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII e publicada em 1891, mas esta é mais uma “orientação” para limitar a exploração gerada pelo liberalismo capitalista do que para alterar a ordem social e a hierarquia das classes.

(Adivinho o comentário: compara o nazismo à social-democracia! — não, o que quero dizer é que o mesmo problema (no caso a revolta dos proletários) pode originar diferentes soluções políticas e que reconhecer a diversidade de opções é a base do pluralismo. Depois há soluções melhores, piores e péssimas.)

Partindo desses pressupostos, chegamos ao artigo de Alexis Corbiére no Nouvelle Observateur, L’Obs para os amigos e ao artigo de Novembro: Porque não sou social-democrata. (Ver artigo aqui).

O que me atraiu de novo para o artigo que lera de raspão na data da publicação foi (tem sido) a quantidade de comentários de pessoas que facilmente se identificam com o Partido Socialista a apoiar o seguidismo da União Europeia aos Estados Unidos contra a Rússia e a criticar quem não o faz (eu, no meu caso). O que me motivou a voltar ao artigo do L’Obs foi o exacerbado americanismo dos sociais-democratas portugueses, em consonância com os sociais-democratas europeus. O SPD, o partido social democrata alemão, é o mais forte apoiante da política americana e da NATO. Jens Stoltenberg, o secretário-geral da NATO era (talvez ainda seja) social-democrata. Os sociais-democratas da Suécia são agora a favor da entrada na NATO. Quanto aos partidos socialistas (sociais democratas) de Portugal e da Espanha são desde a sua fundação (ou refundação no pós guerra) fiéis seguidores da política dos EUA, foram-no durante as transições para a democracia, foram-no mais tarde na Sérvia, no Afeganistão, na Síria, e agora na Ucrânia.

Deve haver uma razão para esta opção de escolha de uma tutela americana em vez de uma autonomia europeia no xadrez mundial (que eu defendia) e essa não será certamente a da defesa de princípios morais. Os Estados Unidos carregam um historial reconhecidamente alargado de violações dos mais elementares princípios de democracia política e de defesa dos direitos do homem e até de violência interna, desde a liberal lei das armas à pena de morte e a um dos mais ignóbeis sistemas prisionais do planeta, desde o poder das igrejas e seitas à concentração dos grandes meios de comunicação num reduzido e exclusivo grupo de milionários, o que torna a ideia de liberdade de imprensa bastante contestável e pueril.

Então porque se agacham tanto os sociais-democratas europeus perante os Estados-Unidos?

Vamos ao artigo do L’Obs: “Antes de mais e para evitar falsos debates, é necessário recordar (ou redefinir) o que é a social-democracia do pós-Segunda Guerra na Europa Ocidental, o único espaço do planeta onde ela existiu: um modelo que combinou uma estratégia política reformista e uma forma de organização assente nos laços estreitos entre um partido de massas e um movimento sindical também poderoso. A convergência destas duas unidades permitiu a constituição do modelo de consenso que sustentou o estado de bem-estar aos operários e outros assalariados — salários, férias, reformas, serviços públicos de saúde e previdência social, habitação, educação. Este modelo assente na extensão de bens sociais aos trabalhadores desviou-os do comunismo. Era esse o objetivo da social-democracia, que se implantou, como é visível num mapa da Europa, nos países junto à fronteira do designado Bloco Leste, em particular na Alemanha e nos países nórdicos. (A Inglaterra desenvolveu um sistema próprio, específico, como as medidas em polegadas e milhas e as roscas dos parafusos no sentido sinistrorsum). Os países latinos nunca implantaram uma social-democracia nos termos em que ela existiu na Alemanha e nos países nórdicos. Os partidos socialistas francês e italiano nunca foram partidos de massas e a sua ligações ao sindicalismo foi sempre fraca. Os partidos comunistas francês e italiano foram, na verdade o mais próximo da social-democracia que existiu na Europa latina, mas não podiam ser aceites como tal e participar dos governos porque eram “comunistas” e os Estados Unidos não permitiam a associação da imagem de social-democracia ao comunismo, que para eles tinha um significado estratégico de ligação ao inimigo, a URSS.

É na estratégia da guerra fria que reside a atração e a dependência dos partidos sociais-democratas e “socialistas” europeus e não deixa de ser curioso que os partidos “menos” sociais-democratas, de maiores diferenças de classe e mais acérrimos defensores da propriedade privada de bens estratégicos e de alto valor social, se designem socialistas (caso de Portugal, Espanha, Itália, a Grécia e até a França), enquanto os países mais industrializados e mais igualitários optaram pela designação de social-democrata. Os ingleses não são nem uma coisa, nem outra, são “trabalhistas”!

A vitória do “bem-estar” social-democrata, de welfare state europeu foi conseguida à custa da alienação de um “bem”: a componente de força militar, sem a qual qualquer Estado deixa de ser soberano, mesmo que limitadamente (tão limitadamente quanto a força de que dispuser).

Os partidos sociais-democratas, responsáveis em boa medida pela “construção europeia” do pós-guerra, com personalidades tão marcantes como Willy Brandt, por exemplo, optaram — se voluntária e conscientemente, se por imposição americana é outra questão — por abdicar do instrumento decisivo da soberania, a força e trocaram-na por aquecimento nas casas, reformas na velhice, férias pagas, um VW ou um Opel na garagem, por vezes um BMW ou um Mercedes.

O que os sociais-democratas ganharam a distribuir comodidades, perderam em soberania! (o desarmamento alemão do pós-guerra não se deve apenas ao receio da Alemanha armada, mas à transferência de recursos para o bem estar que “apaziguou” a sociedade alemã e a levou a aceitar o domínio americano com as bases no seu território).

A Europa está hoje a pagar essa opção social-democrata (alemã, holandesa, belga, austríaca) de desarmamento militar e ideológico. Em termos políticos tem de obedecer a quem possui força — os EUA. Tem de seguir quem impôs, pela força, a ideologia dominante do neoliberalismo, do mercado, do individualismo. Tem de funcionar nos parâmetros do pensamento dominante e “politicamente correto”. Está tudo ligado: política, militarismo, moda, ideologia para conseguir a domesticação dos europeus sem grandes reações. (O nazismo desenvolveu-se neste caldo.)

Pensar a social-democracia hoje é pensar num longo processo de decadência, de envenenamento ou de morte por inação conduzido pela social-democracia, o melhor dos sistemas, se fosse sustentável, se fosse possível abdicar da força para sobreviver num mundo de espécies que vivem em estado de competição — o que Darwin descobriu há 200 anos.

Pensar a social-democracia hoje é reconhecer que ela se suicidou, deixou de ser viável apesar da partilha equilibrada de riqueza e a organização racional da vida no planeta serem cada vez mais prementes e com elas a resposta às necessidades dos novos e velhos trabalhadores e a integração de vagas de migrantes. E não é viável porque a social-democracia fez um outsourcing da força que sustenta a soberania e a liberdade de ação. Resta aos sociais-democratas de hoje, para manterem a face, fazerem-se adeptos dos Estados Unidos de motu próprio, colocarem-se a seu lado para aparecerem na fotografia de família.

Estas figuras tiveram nomes de penetras para as classes baixas e de emergentes para aspirantes a nova classe.

O consenso social-democrata dos 30 anos gloriosos assentava na ilusão do crescimento económico eterno e ilimitado e num consenso sobre a partilha da riqueza entre o capital e o trabalho. Esse consenso funcionou até aos anos 80 do século passado, o fim da ameaça do comunismo — de facto da URSS enquanto superpotência — fez os Estados Unidos e os seus ideólogos neoliberais concluir que a social-democracia europeia, o bem-estar dos europeus, era um custo que podia ser evitado dado já não existir o perigo das classes trabalhadoras serem atraídas por uma ilusão que se desfizera, a URSS. A nova ilusão que seria muito mais rentável e permitia concentrar a riqueza mais rapidamente era o neoliberalismo.

O par Ronald Reagan e Margaret Tatcher patrocinaram a nova ordem económica e ideológica baseada na liberalização dos movimentos de capitais, da livre troca generalizada (Organização Mundial do Comércio), destruição das proteções sociais na Europa, de modo a transformarem o mundo num mercado (o velho sonho imperial dos ingleses vitorianos), onde não há lugar para a social-democracia.

Aos militantes sociais-democratas europeus resta hoje elogiar a desigualdade e a competição em nome da liberdade (de ser explorado) e defender a intervenção militar do império em nome de princípios que ele se encarrega de negar. Tornaram-se neoliberais e militaristas. A decadência dos partidos sociais-democratas e socialistas é fruto do beco da dependência real em que se meteram, ou foram metidos, e da incapacidade de gerarem um ideologia para o mundo de hoje.

É interessante recordar a hibernação de uma organização de que muito poucos já ouviram falar: a Internacional Socialista! — sumiu-se, deixou de ter utilidade.

Por fim, a França, que nunca foi social-democrata, foi soberanista e o soberanismo é a base do seu comportamento desde antes de Napoleão e até depois de De Gaulle tenta remar contra a maré, com limitações conhecidas. Mas ainda tem quem pense. O que já é um feito nestes tempos de pensamento único.

Não são boas notícias, mas são as que me parecem as verdadeiras.


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16 pensamentos sobre “O suicídio da social-democracia — onde está a Internacional Socialista?

  1. Está claro, tem toda a razão, sr. coronel.
    , Os USA nunca declararam guerra ao Eixo !
    Ainda asde quem lutou,deveras, pela Liberdadesimsabemos o que aconteceu aos nazis e seus acólitos!
    Grandes trabalhos surgem no horizonte: saberemos seguir o exemplo de quem lutou pela Liberdade que ainda temos e não morrerá.

  2. Que belo texto. Conciso e de grande precisão. Viva a democracia e a liberdade de opinião. Abaixo o obscurantismo e a ignorância que o alimenta.

    • Subscrevo o seu comentário: viva a liberdade de opinião.
      E por isso mesmo cá vai: discordo por completo do Carlos Matos Gomes, caso esteja a dizer o que eu penso: que a Social-Democracia é o problema.

      Não! A Social-Democracia é a solução. Em Portugal chama-se BE e PCO, ou Geringonça com PS enfraquecido (de 2015 até 2017).

      Nós países Nórdicos funciona. Ainda se debate acerrimamente se faz sentido a NATO ou a neutralidade.
      Em Portugal isso é tabu.

      Porque o que há em Portugal não é Social-Democracia, é uma partido altamente colaborador de fascista e pinochetistas (neoliberais), e que ora se máscara de rosa ora de laranja quando vai para o poder da “democracia liberal” para fazer de conta que há uma escolha eleitoral…

      Se O BE e PCP fossem poder, amanhã acabava a farsa da CIP, o patronato facho seria colocado no lugar, o sindicalismo e contratação coletiva seriam promovidos, os salários subiriam, e a economia cresceria, pagando a dívida muito mais depressa!

      Em vez disso temos Portugal um sistema económico e mediático FASCISTA, num jogo em que fosse laranjas disputam o lugar do novo que engana os ainda mais tolos que neles votam.

      É também mentira que a soberania seja posta de lado na Social-Democracia. Bem pelo contrário, quando mais Social-Democrata é o regime, mais soberano e democrático é. É por isso que na Noruega estão fora da UE e fora do €uro. É por isso que na Islândia nacionalizadas a banca e controlaram capitais. É por isso que na Dinamarca se trabalham 30h a 35h por semana para salários acima de 4000 € (pagos em coroas dinamarquesas). É por isso que o sindicalismo ainda está entre os 60% e os 90% nos países nórdicos.

      E pode também ser completamente contestada a asneira de dizer que a Europa abdicou de soberania em nome do estado de bem-estar Social-Democrata, ou que temos de escolher entre militares bem financiados ou sermos colónia NeoLiberal dos EUA.
      Suíça, Áustria e Irlanda estão fora da NATO, e já vi prédios de apartamentos sociais em Viena que se equiparam a casa de luxo de Lisboetas.
      A Suíça continua a recusar enviar armas para os Nazis Ucranianos.
      E a Irlanda até pode ser um offshore, mas é porque tem sido (des)governada pelos partidos NeoLiberais. E o povo, descontente, está a reforçar a votação no muito esquerdista Sinn Féin (o BE lá da zona).

      E há ainda o “pormenor” de muitos países por esse Mundo fora apostarem pouco o nada no militarismo e na soberania, e mesmo assim não tiveram qualquer estado de bem-estar social: o Chile no topo desta lista.

      Ou por outro lado, países que erradicam a pobreza e melhoram muitíssimo as condições de vida da população ao mesmo tempo que têm dinheiro para apostar no desenvolvimento militar. ex: a China.

      E ainda aquele país, não sei se ouviram falar, que com apenas 3% do seu PIB, uns meros 60 mil milhões de €uros, consegue sozinho fazer frente a todo o equipamento disponibilizado pelos países TODOS da NATO na linha da frente da guerra entre anti-nazis e pró-nazis que decorre há 14 anos no Donbass.

      Isto nada tem a ver com Social-Democracia. Tem a ver com o facto dos que se chamam “sociais-democratas” ou “socialistas” na Europa são hoje em dia opostos daquilo que dizem no próprio nome dos seus partidos.

      Social-Democrata sou eu, com muito gosto. Sou anti-NATO, anti-€uro, EU-cético, soberanista, admirador do Modelo Nórdico e do Sistema de Ghent.
      E quero que os Neoliberais e os USAtlantistas se f*dam todos!
      Eu votei BE e tenho simpatia pelo PCP, e dependendo dos dias, também pelo Livre. E tenho um tremendo nojo por aqueles (rosas) que destruíram a Geringonça, e por aqueles (€urofanáticos) que destruíram a soberania de Portugal e se recusam cumprir a Constituição de 1976.
      Sou e serei sempre anti-Fascista e anti-Nazi, e digo com todas as letras e vem alto: a UE é uma colónia de corruptos avençados pela CIA/Pentágono, Eos EUA são uma brutal ditadura e o regimemais perigoso no Mundo desde aquele que acabou em 1945…

      Aquilo de que o Carlos Matos Gomes está a falar, erradamente a dar mau nome à Social-Democracia, é outra coisa muito diferente. Está a falar da Terceira Via e do Liberalismo “moderno”. Está a falar de Globalistas anti-soberanistas, de anti-sindicalistas, de corruptos e gente sem qualquer carácter ou espinha dorsal. É um erro tão grande como chamar “português” ao Messi só porque ele joga o mesmo jogo do Ronaldo e fala uma língua com a mesma origem comum…

      • Uma coisa é discordar de CMG – e está no seu pleno direito – outra coisa é taxar de mentiroso quem pensa de maneira diferente.
        Já agora e a propósito, o seu BE e o Livre têm sido aliados vergonhosos das posições da UE e USA no caso Ucrânia .

        • Quem mente é mentiroso. E toda a gente mente. Por vezes mente-se por falta de informação, por se repetir a mentira que se ouviu, uma vez sem exemplo, ou de forma compulsiva. Há até a chamada “white por” ou pequena mentira por compaixão. Mas dizer que algo é mentira não é insultar. Eu já menti. Uma vez disse que o €uro era uma coisa boa. Estava a mentir e não sabia. Era ignorante. Depois informei-me e deixei de mentir sobre esse assunto. O €uro é uma merda, da forma como foi implementado.

          Quanto ao BE e Livre, já votei, já não voto. Chama-se liberdade democrática. E as pessoas sérias são as que votam consoante o que sabem, e mudam de voto consoante mudam os factos. Se mais portugueses fossem assim, não existia o regime incompetente e corrupto que aí há, resultado de se votar sempre de cor, sempre por hábito, sempre nos mesmos, digam o que disserem e façam o que fizerem.

          É a minha forma de estar e ver o Mundo. Não lhe peço para concordar. Quanto mais discordância, melhor o Mundo. Não há coisa pior que a imposição do pensamento único e os que se julgam donos da verdade ou acima da crítica.para mim tanto valho eu, como a EstátuaDeSal, como você, como o Carlos Matos Gomes, como a Catarina Martins, como o Passos Coelho, como o rei de Inglaterra, como o palhaço Tiririca, etc. Todos criticáveis e todos à mercê de um apontar de dedo quando disserem/escreverem uma inverdade.

          Comigo não há altares de adoração e culto de personalidade para ninguém. Tanto crítico hoje o Carlos Matos Gomes como amanhã faço chover elogios. Não depende do que acho da pessoa ou do que ela fez no passado. Depende, para mim,única e exclusivamente do que se diz/escreve na conversa em questão.

          Hoje digo que Zelensky é um palhaço corrupto ditador colaborador de porcos imperialistas e genocidas nazis.
          Mas se ele amanhã assinar um acordo de paz, vou elogiá-lo por finalmente fazer o que está certo.
          Para mim interessa o mérito/culpa de cada momento, não interessa a reputação. E o passado não deve servir para crucificar/glorificar as aeternum. Deve servir “apenas” para lembrar e aprender, para dar contexto.

          Por isso sim, se o Carlos Matos Gomes diz algo de que discordo e que é mentira, não me interessa quem ele é, vou dizer exatamente o que penso, sem pedir licença a ninguém e sem papas na língua. Apenas com o cuidado de ter educação q.b. para que o debate não azede nem se violem as regras bem exigidas pelos donos do fórum/blog.

          E para acabar, porque falei de BE e Livre nos quais tão depressa não volto a votar, aproveito e falo também do PCP. Por mais simpatia que tenha, tenho de aqui parafrasear Putin: quem lembra a União Soviética com saudade e tem vontade de lá voltar a viver, só pode estar mal da cabeça.
          Eu sei que não é essa a posição do PCP, mas a verdade é que todos os dias leio comunistas a elogiar isto e aquilo do que se passou nesse tempo nesse território nesse regime.

          Cada vez sou mais anti-Capitalista na versão NeoLiberal actual, e nem isso me fez aproximar um único milímetro do Comunismo.
          Sou Social-Democrata com muito gosto e é só com base em factos e lógica que me tornei admirador do Modelo Nórdico com Sistema de Ghent.
          Funciona e recomenda-se.
          Quem se suicidou não foi a Social-Democracia, foram os partidos que começaram Social-Democratas e há já décadas deixaram de defender tal ideologia.
          A última vez que houve Social-Democracia em Portugal foi entre 1976 e o início dos anos 80, período após o qual quem colocou o socialismo na gaveta resolveu chamar o FMI. Antes disso criou-se o SNS. Depois disso tem sido sempre a descer, não por suicídio da Social-Democracia, mas porque está deixou de existir.

          A haver suicídio, é dos próprios cidadãos eleitores, ignorantes e burros que nem uma porta, que dão “maioria absoluta” de 41% a quem destruiu a Geringonça de forma a poder manter a lei laboral da troika/Passos Coelho.
          Querem o SNS, mas depois votam em quem o está propositadamente a destruir! E ainda têm a lata de dizer que a Social-Democracia é que se suicidou…

          • Amigo Carlos Marques, sobre a União Soviética, não foi bem isso que o Putin disse. Não sendo ele (ou tendo deixado de ser, não sei) comunista, afirmou que o fim da União Soviética foi a maior tragédia geopolítica do século XX. Por um lado, porque desapareceu o “equilíbrio” até então existente entre as duas grandes potências da época (EUA e URSS), com a famigerada MAD, garante de uma paz relativa que impedia uma guerra mundial, ainda que não pudesse nada contra guerras “regionais” ou em outsourcing, como as do Vietname, Coreia, Afeganistão, etc. Por outro lado, como russo, frisou o que para ele era mais trágico, a saber: com o fim da URSS, 25 milhões de russos ficaram de um dia para o outro sem pátria, ou a viver fora dela, frequentemente hostilizados, só por serem russos, nos países de que passaram a ser cidadãos. Com a agravante de que alguns desses países os privaram mesmo da cidadania ou fazem tudo e mais um par de botas para o conseguir, como é o caso dos Bálticos e da própria Ucrânia. E a conclusão que Putin daí tirou foi mais ou menos a seguinte:

            “Aqueles que não lamentam o fim da União Soviética não têm coração. Aqueles que sonham reconstruí-la não têm cérebro.”

            Já quanto à afirmação de Matos Gomes de que “a Europa está hoje a pagar essa opção social-democrata (alemã, holandesa, belga, austríaca) de desarmamento militar e ideológico”, acho que é factualmente errada no que respeita à componente militar, mas também não é por isso que lhe vou chamar mentiroso. A trincheira dos seres pensantes, neste vazio de neurónios em que sufocamos, é pequena, ainda que a meia dúzia de irredutíveis “gauleses” que a ocupam pese bastante mais do que os milhares de pachorrentos borregos que enchem a barriguinha de erva verdinha, mas rançosa, na pastagem do pensamento único. Parece-me por isso contraproducente, por divergências secundárias, andarmos às caneladas uns aos outros. Não há nexexidade! Voltando à afirmação de Matos Gomes, discordo por motivos concretos. Basta-nos a elementar Wikipédia para ficar a saber o seguinte sobre os gastos de alguns países europeus em armamento. Os dados são de 2021, em milhares de milhões de dólares, e peço perdão pela falta de paciência para os converter em euros:

            França: 57
            Alemanha: 56
            Itália: 32
            Espanha: 20
            Países Baixos: 14
            Polónia: 14

            Aqui: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_military_expenditures?wprov=sfla1
            (clicar no quadro “Global Military Spending” para abrir)

            Só esta meia dúzia de países europeus soma 193 mil milhões. E faltam, na Europa continental, uma carrada deles (incluindo o nosso belo jardim), a maior parte integrados na NATO. Se acrescentarmos o Reino Unido, temos mais 68 mil milhões. Ora quanto é que, no mesmo ano de 2021, gastou a demoníaca Rússia em armamento, para poder concretizar o velho plano de nos gamar o cabo da Roca, Xabregas e o Poço do Bispo? De acordo com a mesma fonte, 66 mil milhões. Ou seja, o Reino Unido, sozinho, gastou mais em armamento (68 mil milhões) do que a famigerada Rússia, e a meia dúzia de países europeus citados acima, mesmo sem contar com o Reino Unido, somou o triplo da Moscóvia! Assim, afirmar que houve uma opção social-democrata europeia pelo desarmamento militar é asneira. É asneira agora e pouco menos asneira seria no tempo da URSS. Podem porventura dizer-me que ao somatório de países europeus falta, em termos militares, integração e coesão operacional, mas não me parece que seja verdade. Então não é para isso mesmo que serve a NATO e os exercícios conjuntos que frequentemente leva a cabo? Quanto aos 801 mil milhões que os camónes gastaram no mesmo ano em defesa, provavelmente planeiam tomar conta do Sistema Solar. A proposta para este ano já vai em 858 mil milhões, imagino que estejam já a pensar na galáxia de Andrómeda!

            Se analisarmos o problema na perspectiva de poder aéreo, por exemplo, as conclusões são as mesmas. De acordo com a prestigiada e extremamente bem informada revista britânica de aeronáutica ‘Flight International’, que todos os anos edita, em Dezembro, uma listagem pormenorizada de todas as Forças Aéreas do planeta, dos EUA à Rússia, passando pelo Burkina Faso e cá pelo jardim, concluímos o seguinte (números recentes, com menos de um mês):

            Aviões de combate:

            América do Norte (EUA e Canadá): 2820
            Europa sozinha: 2008
            Rússia e CIS: 1864

            Helicópteros de combate:

            América do Norte (EUA e Canadá): 5704
            Europa sozinha: 3328
            Rússia e CIS: 1915

            (CIS: Comunidade de Estados Independentes, ex-repúblicas soviéticas aliadas da Rússia)

            Ou seja, a Europa sozinha tem mais aviões de combate do que a Moscóvia e, no que respeita a helicópteros de combate, tem quase o dobro. Assim, quanto a um alegado “desarmamento” europeu, não é por a asneira ser constantemente repetida que passa a ser verdade. E se aos “brinquedos” voadores europeus juntarmos os do império do bem, até um cego, surdo e mudo alzheimerizado consegue avaliar o descaramento vigarista com que os gangsters do lado de lá e os criados do lado de cá nos comem as papas na cabeça à pala da ameaça moscovita.

            Ver aqui e fazer download do PDF, que é à borla (consultar dados acima referidos nas páginas 8 e 9; Força Aérea Portuguesa na página 27)

            https://www.flightglobal.com/reports/2023-world-air-forces-directory/151088.article

            Slava borreguini! Mééééé!

            • Quanto às afirmações de Putin, tiro-te o chapéu. Estás muito bem informado, com boa memória, até citaste letra por letra. Ainda bem que me corrigiste e/ou complementaste. Eu tinha lido essas declarações e por não as saber de cor nem me apetecer pesquisar na altura em que vim aqui comentar, escrevi que ia só parafrasear (em vez de citar). E foi isso mesmo que fiz.

              De facto Putin não é Comunista, é um Capitalista de Centro-Direita na economia, e Conservador nos costumes.

              E de facto o fim da URSS foi uma tragédia nesse sentido da perda de pátria (as pessoas da Crimeia que o digam, aliás, já o disseram no referendo).

              E segundo os mais entendidos, foi também uma tragédia para quem precisa de trabalhar para pagar as contas no Ocidente. O fim do competidor Soviético fez os porcos NeoLiberais perderem a vergonha no focinho. Tem sido só andar para trás desde então, com mais desigualdade, menos direitos laborais, e menos estado de bem-estar social.

              Mas foi exatamente por isso que eu critiquei/contrariei o Carlos Matos Gomes. Isto não aconteceu por suicídio da Social-Democracia. Aconteceu por traição. Da mesma maneira que o Durão Barroso foi um dia “maoísta” e a Zita Seabra “comunista”, também hoje os Antónios Costas e Macrons que por aí andam se dizem “socialistas” ou “sociais-democratas”. Não são nada disso. São traidores. Touperias que minaram tudo por dentro.

              E tudo isto tem um plano e um planeador. Ou melhor, uma classe social que planeia o Mundo, pois é dona dele, e recusa que algo de estrutural mude. Aliás, a única diferença entre o pinochetitas e traidor Macron, e o moço de recados da facharia tuga e também traidor António Costa, é que os planeadores perceberam bem as diferenças entre os dois países: em França estava na hora de acabar de vez com o PS, mas em Portugal o povo é ainda mais teimoso, burro mesmo, portanto o “Em Marche” (NeoLiberal, €urofanático, USAtlantista, anti-Social-Democrata, anti-sindicalista) português é feito dentro do PS.´

              No no caso da dinamitação dos partidos tradicionais e moderados de Direita, o plano em Portugal já está no passo seguinte, da substituição do velho pelo “novo”, com o Chega e a Iniciativa Liberal. Também aqui são “Social Democrata” no nome, mas não têm nada disso nas propostas, e nem sequer na história.
              Para mim basta saber que já no tempo do ranhoso Sá Carneira estes fachos mascarados de laranja votaram contra a criação do SNS.
              Ou seja, por vontade desta gentinha, estaríamos hoje ainda piores e já mais “avançados” a imitar o caminho dos seus donos e planeadores USAmericanos: sem qualquer tipo de rede social no sistema de saúde.

              Vou ser ainda mais claro: quando Stauffenberg tentou matar Hitler, se fosse bem sucedido, não seria um “suicídio” do Nazismo. Seria um traidor do Nazismo a puxar o gatilho.

              Na Social-Democracia Europeia, em especial a do Sul, e em partilar a Portuguesa, não se trata portanto de qualquer suicídio da Social-Democracia, mas sim de traidores infiltrados que, sem puxar o gatilho, mas fazendo os nós lentamente e devagarinho colocando a corda no nosso pescoço, dinamitam tudo por dentro para dar lugar à sua ideologia fanática de classe e de raça.
              O Meyssan chama-lhes Straussianos, eu chamo-lhes Pinochetistas, USATlantistas, €urofanáticos, NeoLiberais, Imperialistas, etc.

              E não, não estou a comparar Nazismo com Social-Democracia. Tal como o Carlos Matos Gomes, acho que também eu preciso de fazer esta nota para os mais distraídos.

              E aqui poderíamos começar a falar: então se Putin é Capitalista de Centro-Direita, e se Xi Jinping já só é “comunista” só na hora de ter um partido único com poder centralizado, como é que isso pode tornar melhor um Mundo Multipolar, do que o actual Mundo Ocidental-cêntrico e ultra-Neoliberal?
              Lá está, não torna. É apenas uma dança de cadeiras entre as diferentes elites e oligarquias.

              Imaginemos que amanhã os EUA desaparecem do mapa. No dia seguinte os Pinochetistas (do PS ao Chega, passando por todas as redundâncias pelo meio destes dois) continuarão a tentar destruir o que ainda existe na distribuição da riqueza, e a tentar concentrá-a nas mãos dos planeadores sediados na Europa.

              DO lado de lá, a USRR já se foi, e deste ponto de vista é uma tragédia, pois para comparação com o regime genocida pinochetista ocidental, só existe uma Rússia igualmente Capitalista, e uma China onde se matam trabalhadores com intoxicações químicas só para se poupar uns cêntimos no líquido usado para limpar os ecrãs nas fábricas de onde saem os produtos onde depois são colocados os rótulos da Apple, Google, Samsung, Sony, Asus, etc. Se isso é Comunismo, vou ali e já venho…

              ———-//———-

              Quanto à tua segunda parte, comento citando-te:

              «acho que é factualmente errada no que respeita à componente militar, mas também não é por isso que lhe vou chamar mentiroso»

              Uma mentira é uma mentira, seja qual for a forma ou justificação. Se concordas que o CMG disse algo que contraria os factos, então é o quê? Uma “inverdade” – palavra de que os mentirosos gostam de abusar para evitar a palavra mentira? Pronto. Então o CMG não é um mentiroso. É um “inverdadoso”…

              Bálha-nuj dêuje! Não habia nexexidade.

    • Amigo Duas Braças, o MRocha deve ter razão. A gente às vezes não repara que tinha definido um bocado de texto sem querer, bate na tecla errada e pumba, a coisa desaparece e só depois damos por isso. Já me aconteceu várias vezes. Tenta de novo.

  3. Boa análise, Sr. Coronel Matos Gomes. O que me parece particularmente claro, mesmo se alguns “soi-disant” sociais democratas não o admitem, é que a sua análise “Aos militantes sociais-democratas europeus resta hoje elogiar a desigualdade e a competição em nome da liberdade (de ser explorado) e defender a intervenção militar do império em nome de princípios que ele se encarrega de negar. Tornaram-se neoliberais e militaristas.” me parece hoje irrefutável e todos os dias é confirmada pelos líderes e principais responsáveis de partidos socialistas e sociais democratas europeus. No fundo, um reflexo de um anticomunismo primário que fez escola e que os leva a confundir, na atual situação internacional, as relações da guerra fria com as razões da atual guerra (quente). Esses militantes sociais democratas, a que poderíamos acrescentar alguns ecologistas de partidos ditos “verdes” que chegaram a posições de poder, são hoje aguerridos militantes do império e ferozes defensores do hegemonismo. Nomes para quê? A União Europeia conta bons exemplos entre os seus dirigentes.

  4. Uma análise interessante não fora a existência de uma explicação mais simples, baseada num modelo geral de interpretação e transformação da realidade economico-social, o marxismo: a inexorabilidade da maximização da apropriação privada da mais valia socialmente produzida não deixa espaço para um “capitalismozinho-quiduxo-social-democrata”, se a propriedade privada dos meios de produção for predominante O Capital é forçado a espremer o trabalho até ao tutano. Solução? Reduzir a propriedade privada dos meios de produção aos setores não determinantes da economia retirando ao capital todo e qualquer poder politico … pois, pela força já que de outra forma “O Capital” não deixa, e senão vejam-se as tentativas apontadas pelo autor: sociais democracias nórdicas, chile, bolivia, brasil, indonésia, irão (anterior ao xá) e restantes nacionalismos populares africanos e asiáticos, ss tentativas foram muitas, O Capital pôs um fim a todas.

  5. A Social Democracia está morta há muito tempo..

    Portanto, é uma enorme lacuna que se abre, que sistema vai regular a nossa sociedade… que modelo de sociedade aspiramos… Suponho que a razão pela qual falamos de social-democracia é porque a Alemanha é a figura de proa da Europa, mas seria um atalho para reduzir o sistema de distribuição dos países membros. A social-democracia é tanto uma palavra de ordem como teorias da conspiração…além disso, o que é social, senão o que resta da proteção social. Tenho a impressão de que estamos a tender para um Capitalismo de Vigilância,estilo Chinés.. Tal como as ideias revolucionárias, sejam elas reformistas ou anarquistas, servirão o totalitarismo e, no melhor dos casos, o capitalismo, este último não está longe do primeiro, basta olhar para as notícias, a saúde dos outros e a ecologia como princípios de integração, enquanto, para recordar o neoliberalismo encarnou exactamente o contrário desde os anos 80, ou seja, a consagração do indivíduo, não há sociedade, não há apenas indivíduos!

    Também aquilo a que se chama liberalismo social é certamente chamado como tal por aqueles que concedem privilégios a agentes económicos seleccionados, mas o liberalismo é, pelo contrário, contra qualquer forma de intervenção do Estado no domínio económico, uma vez que, na maioria das vezes, só pode distorcer o mercado através da distribuição de rendas (nichos fiscais, por exemplo) tendo em vista objectivos políticos (empregos ou crescimento para ser reeleito,e muita corrupção)..

    A teoria liberal nunca está interessada na redução de impostos… Quando um povo recebe uma redução fiscal do Estado, a maioria dos liberais não saltam de alegria com o nascimento de tal privilégio, que é precisamente o que eles se opõem. Por outro lado, o liberalismo tal como articulado na ideologia social-liberal procura que o Estado intervenha para maximizar a eficiência dos negócios (e, portanto, possivelmente dando presentes às empresas). Mas a maioria dos liberais não vê isto como liberalismo no sentido clássico.

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